Eliana Maria Nigro Rocha

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O que se sabe e o que não se sabe sobre a neurobiologia da gagueira

 

Nicole E. Neef & Soo-Eun Chang

Knowns and unknowns about the neurobiology of stuttering: PLoS Biol. 2024 Feb 22;22(2) https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3002492

 

Tradução e síntese de Eliana Maria Nigro Rocha

 

 

Introdução

 

O artigo inicia dizendo que a notável variabilidade da gagueira é um entrave para conhecermos mais sobre ela, que a quase totalidade dos estudos foca a gagueira externalizada e que sabemos pouco sobre suas bases neurobiológicas.
A partir daí, as autoras formulam perguntas e fornecem as respostas que temos até este momento, dizem das pesquisas que se encontram em andamento e nos fornecem uma visão do que ainda está por vir.

 

 

A gagueira é genética?

 

Dados anteriores nos dizem da interferência da hereditariedade na gagueira, como o fato de que 50% das pessoas que gaguejam têm um parente que gagueja e também com a constatação de que gêmeos monozigóticos apresentam maior probabilidade de ambos gaguejarem do que os gêmeos dizigóticos. No entanto, esses dados não estão presente em 100% das pessoas que gaguejam, de modo que, é preciso investigar também a interferência dos fatores ambientais.

As pesquisas genéticas estão em andamento e, apesar de tantos estudos já realizados, até o momento não temos um gene ou locus específico que sejam encontrados em todos os que gaguejam. Será preciso amostras muito maiores para chegar a algum entendimento mais claro a respeito.

 

 

Quais são os marcadores neurais da gagueira persistente?

 

Várias observações comparativas, entre os denominados fluentes e as pessoas que gaguejam, nada encontram que os diferenciem. No entanto, atualmente se sabe que existem sutilíssimas diferenças entre esses dois grupos, tanto na substância cinzenta como na substância branca, em várias áreas do cérebro.

Estudos atuais buscam compreender melhor as diferenças de funcionamento cerebral das crianças que gaguejam comparadas aos adultos que gaguejam e também em relação às crianças sem dificuldades com a fluência. Os fatores “alteração de base” (diversidade neurobiológica das pessoas que gaguejam) versus “compensação” (ativação cerebral de outras áreas na busca da emissão fluente) se encontram entre esses estudos. Muitas evoluções já ocorreram nessa esfera, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

 

 

O que facilita a recuperação espontânea em crianças que gaguejam?

 

Várias estruturas cerebrais estão envolvidas na possibilidade de emitir sequências motoras maiores de fala. Há uma modificação no desempenho cerebral conforme a criança desenvolve a linguagem e automatiza os movimentos da fala, seu início e sequenciação, e isso libera áreas corticais superiores.

A recuperação da gagueira infantil está relacionada à normalização da substância branca em áreas afetadas e a um maior envolvimento do cerebelo.

 

 

A terapia da gagueira na idade adulta pode provocar reorganização neural?

 

A gagueira do adulto pode ser trabalhada em terapia, controlada e amenizada, mas “a cura completa é rara ou impossível”. No entanto, as pesquisas demonstram que várias alterações neurais benignas ocorrem em decorrência da terapia e/ou medicamentos, ativando áreas que propiciam maior fluência, diminuindo a atividade de áreas que prejudicam a fluência, equilibrando a coordenação entre as diversas áreas cerebrais que atuam na fala. Mais uma vez: os estudos são preliminares, muito ainda precisa ser pesquisado.

 

 

Quais são os grandes mistérios por resolver?

 

Várias questões permanecem, como possibilidade de aprofundar o conhecimento a respeito da gagueira:

- por que o canto é fluente e a fala não?

- por que a fala comunicativa é menos fluente que a fala não comunicativa?

- por que as meninas se recuperam mais do que os meninos?

As autoras expõem a seguir sobre essas questões.

 

 

A vantagem do canto

 

As autoras apontam as diferenças básicas entre a fala e o canto, e o fazem de uma maneira mais detalhada do que a usual: ressaltam, por exemplo que, no canto, a duração das vogais é prolongada e que a velocidade articulatória é diminuída.  Destacam ainda que a melodia da canção é fixa (que é o que nos permite reconhecer uma música) enquanto a melodia da fala se altera conforme a entonação, o que vai demonstrar diferentes intuitos comunicativos. O ritmo e a dinâmica também seguem este mesmo padrão: mais estruturado no canto, mais variado na fala.     
“A canção e a fala diferem no seu grau de automatização, na utilização do controle cognitivo, na dependência da recuperação da memória auditiva e na extensão da influência do estado afetivo. “

 

 

O contexto social impulsiona a gagueira

 

Dado que a fala das pessoas que gaguejam usualmente é mais fluente quando falam sozinhas do que a sua fala em contexto social (que deflagra maior excitação, levando a mudanças na atividade cerebral), as autoras listam dois tópicos principais a serem melhor investigados:  

- como se dá a interação entre as vias que produzem vocalizações inatas emocionais (choro, riso, gemido) e a fala volitiva aprendida? Será que há competição entre elas?

- o núcleo accumbens faz a integração entre emoção, cognição e movimento. Ele também está envolvido na evitação e na busca de recompensa. Essa estrutura tem sua substância cinzenta diminuída nas crianças que gaguejam e, nos adultos, há um aumento dessa estrutura no hemisfério direito. Essa estrutura se altera de acordo com o desenvolvimento do indivíduo?  Ela tem relação direta com a gagueira? O comportamento de evitação é estrutural da gagueira ou é decorrência dela?

Conhecer melhor esses aspectos fornecerá uma base mais firme às abordagens atuais.

 

 

Diferenças de gênero

 

As autoras citam que o índice de ocorrência de gagueira na idade adulta é de 1 mulher para cada 5 homens. Citam ainda que no surgimento da gagueira esse índice é de 1 para 2.

Levantam como hipótese, para esta recuperação do gênero feminino, a interferência do estradiol, que tem propriedades neurotróficas e neuroprotetoras, e que apresenta níveis maiores nas meninas desde antes da puberdade, sendo que pesquisas com o choro de bebês de 4 a 8 semanas constataram que a complexidade melódica do choro era maior quanto maior a quantidade de estradiol. Deste modo, as autoras sugerem que os hormônios sexuais podem influenciar a aprendizagem motora da fala.

 

 

Conclusões

 

A conclusão do artigo cita que foram abordados alguns aspectos ainda pouco conhecidos da gagueira que mais nos chamam a atenção, mas que existem inúmeros outros, como por exemplo a possibilidade da existência de subtipos neuronais de gagueira. O desvendamento de todos estes mistérios poderá nos informar mais precisamente sobre a natureza da gagueira e a abordagem clínica dos seus sintomas.  

 

 

Quer saber mais?
Acesse o original, disposto gratuitamente na internet:
 https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3002492