Eliana Maria Nigro Rocha

 e-gagueira.com.br

Epigenética

EPIGENÉTICA[1] E O CÉREBRO HUMANO: ONDE A CRIAÇÃO ENCONTRA A NATUREZA
Epigenetics and the Human Brain: Where Nurture Meets Nature
Isabelle M. Mansuy, Ph.D., e Mohanna Safa
Cerebrum, May 2011


Disponível online:

http://www.dana.org/Cerebrum/2011/Epigenetics_and_the_Human_Brain__Where_Nurture_Meets_Nature/


                                                       

                                                                  Todd Davidson/Stock Illustration  Source/Getty Images

Tradução: Eliana Maria Nigro Rocha
Inserções efetuadas seguem entre colchetes: [ ], com indicações numéricas que remetem ao final do texto.

Nota do Editor: Embora o nosso código genético determine uma grande parte de quem somos e do que somos, ele não age sozinho. Depende muito do epigenoma, uma elaborada marcação do DNA que controla as funções do genoma[2]. Por ser sensível ao ambiente, o epigenoma é uma ligação poderosa, um relê entre os nossos genes e o nosso entorno. Marcas epigenéticas[3] controlam funções biológicas e características tão diversas como memória, desenvolvimento e susceptibilidade às doenças; assim, o fator criação[4]
na interação natureza / criação traz contribuições essenciais para o nosso corpo e comportamentos. Uma vez que os cientistas aprenderam mais sobre como funciona o epigenoma, eles começaram a desenvolver terapias que podem conduzir a novas abordagens no tratamento de condições humanas comuns.


       
  Desde a descoberta do DNA na década de 50, um dos principais objetivos dos geneticistas foi o de compreender como as diferenças na sequência do DNA podem influenciar a saúde humana e levar a doenças. Após várias décadas de intensa pesquisa, duas conclusões são claras: (1) na maioria dos casos, é difícil estabelecer uma ligação direta entre qual(is)quer gene(s) específico(s) e processos biológicos ou doenças específicos, e (2) a maioria das características e patologias está associada a mais do que apenas um gene e tem mecanismos complexos. Descobrir que tal complexidade está em jogo levou os pesquisadores a reconhecer que o genoma por si só provavelmente não é suficiente para responder por todas as funções biológicas, e que outro nível de regulação está contribuindo. Eles propuseram o epigenoma como um destes níveis adicionais.

         Fortemente associado ao genoma, o epigenoma representa um conjunto de marcas bioquímicas presentes no próprio DNA. Essas marcas modulam a atividade e as funções do DNA, mas ocorrem sem qualquer alteração na sequência do DNA. Ao invés disso, várias enzimas adicionam marcas epigenéticas no ADN. As marcas carimbam os genes com uma única assinatura que sinaliza se o gene será ativo ou silencioso.

          Ao contrário da sequência de DNA, os processos epigenéticos são dinâmicos e não fixos, embora alguns possam persistir por longos períodos de tempo, até vários anos ou uma vida inteira. Além disso, eles são fortemente influenciados pelo ambiente e pela exposição a fatores externos como dieta, condições de vida, exercício, estresse, substâncias químicas, drogas e toxinas. Tanto os fatores positivos como os negativos podem modular o epigenoma. Por exemplo, os fatores positivos, tais como boas condições de vida, como interações sociais, atividade física, e mudanças nos arredores, podem promover marcas epigenéticas benéficas, ao passo que o estresse severo ou produtos químicos agrícolas podem alterar permanentemente algumas marcas 1,2. Essas modificações podem afetar vários aspectos da vida de um organismo durante qualquer fase do desenvolvimento, e pode aumentar a susceptibilidade a doenças. Por exemplo, eventos traumáticos e estresse severo crônico grave no início da vida podem alterar o epigenoma de um modo persistente e algumas vezes hereditário 3-5. Muitos tipos de câncer também estão associados a alterações epigenéticas induzidas por fatores como má alimentação e toxinas 6, 7.

          Embora o conceito de epigenética tenha tido um reflorescimento na década passada, ele foi descoberto pela primeira vez no século 18. Cerca de 50 anos antes de Charles Darwin publicar seu famoso livro A Origem das Espécies, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck foi o primeiro a propor que as condições ambientais podem alterar as características adquiridas durante a vida de uma pessoa, e essas características podem ser transmitidas à descendência 8. Segundo a teoria de Lamarck, - a qual seus contemporâneos tanto ignoraram e até mesmo criticaram - a aparência da pessoa pode se modificar dentro de uma geração dependendo dos fatores ambientais. Como se constata, este postulado constitui a base dos princípios subjacentes da epigenética e fornece uma estrutura conceitual para a questão de como o ambiente impacta um organismo e sua prole. Uma vez que este conceito é tão fundamental para a compreensão das funções biológicas, alguns cientistas propuseram que os princípios de Lamarck fossem integrados à teoria evolutiva. Esta continua a ser uma questão em disputa, no entanto.

          A epigenética fornece suporte para outra antiga questão ainda não resolvida: a contribuição da natureza versus criação. Uma vez que a epigenética age como um canal através do qual os fatores ambientais provocam mudanças biológicas ao longo da vida, ela proporciona uma base molecular para sugerir que a criação tem um forte impacto sobre as funções biológicas e comportamentais, em alguns casos, talvez um impacto mais forte do que a natureza (genes). O conceito de epigenética, além disso, oferece uma explicação para as diferenças individuais resultantes de experiências de vida, um dos exemplos mais marcantes sendo o dos gêmeos idênticos que têm exatamente o mesmo genótipo, mas diferentes respostas fisiológicas ou comportamentais ou susceptibilidade à doenças. Isto dá consistência à proposta de que tanto a natureza como a criação são contribuintes essenciais para nós mesmos e nossos corpos, mas que suas respectivas contribuições variam.

          Nós e outros da área acreditamos que o estudo do epigenoma justifica tanta pesquisa como o estudo do genoma. Estamos convencidos de que o campo da epigenética tem um imenso potencial para novas descobertas que nos ajudarão a entender melhor as doenças humanas e, possivelmente, fornecer novas abordagens para curá-las. Vários aspectos das marcas epigenéticas são de particular interesse para os pesquisadores: (1) elas são específicas de determinados genes, (2) elas são influenciadas pelo ambiente, (3) elas são dinâmicas e reversíveis, mas (4) elas podem, contudo, permanecerem estáveis ao longo de gerações.



Processos epigenéticos

        Em um sentido amplo, a epigenética é o conjunto de processos que liga o genótipo de uma pessoa, ou a informação genética, ao seu fenótipo, a expressão física e biológica desta informação genética. Estes processos regulam a atividade do gene. Eles podem ativar ou inativar genes, alterar a quantidade de proteína sintetizada ou expressa por um gene, e determinar quando um gene é expresso durante todo o curso de uma vida. Ao efetuar essas mudanças, os processos epigenéticos regulam a atividade do gene de uma forma dinâmica.

          Além disso, os processos epigenéticos podem produzir alterações locais nos tecidos ou células específicas do organismo. Por exemplo, a assinatura epigenética de cada tipo de célula tem o potencial de ser distinta. Uma vez que o mesmo DNA está presente em cada célula de um organismo, processos epigenéticos fornecem um meio para criar e manter a diversidade entre e dentro dos tipos de células. Assim, enquanto as células neuronais e epiteliais em uma determinada pessoa contêm exatamente o mesmo DNA, os processos epigenéticos podem modular a atividade dos genes em cada tipo de célula diferentemente e, assim, ativar ou silenciar funções ou características celulares específicas. Eles também podem fazê-lo dentro de células semelhantes no mesmo órgão - seja cérebro, fígado ou rim. Epigenética, portanto, em grande parte explica a singularidade de cada órgão ou célula, ao mesmo tempo em que regula a manutenção do órgão, a saúde e o envelhecimento.

          O epigenoma regula a expressão de gene de diversas maneiras. Uma das formas mais bem estudadas da regulação epigenética envolve a metilação do DNA, na qual as moléculas de carbono e hidrogênio (grupos metila) quimicamente se ligam a citosina, uma das quatro bases de nucleotídeos no DNA. Uma consequência da metilação do DNA é o silenciamento da expressão gênica. Se certas regiões do DNA em torno de genes são metiladas - isto é, se todas as citosinas carregam grupos de metila - suas atividades são diminuídas.

          Outro tipo de regulação epigenética envolve modificações de proteínas histonas, que estão ligadas intimamente ao DNA e ajudam a organizar a sua estrutura. Dentro do núcleo da célula, o DNA é embalado em torno de proteínas histonas, e formam nucleossomos, semelhantes a contas em um colar (ver Figura 1). Embora bastante compactas, as proteínas histonas têm caudas pequenas que se projetam das bobinas que formam com o DNA. Essas caudas são acessíveis às enzimas locais que podem facilmente modificar alguns dos aminoácidos dessas caudas. As modificações das histonas resultam de processos bioquímicos que conduzem à adição de marcas específicas nos aminoácidos individuais. Pode haver centenas de modificações em uma dada histona, e o conjunto dessas modificações forma uma combinação única ou o código que modula a forma como o DNA é estruturado. Assim, dependendo de quais modificações da histona estejam presentes em conjunto em um determinado momento e lugar, elas podem mudar a forma como o DNA é embalado. Elas podem apertar a embalagem, tornando o DNA inacessível à maquinaria necessária para ler e expressar seus genes. Elas também podem afrouxar a embalagem e fornecer livre acesso ao DNA para a expressão do gene. Modificações das histonas são, portanto, determinantes cruciais da atividade do gene.


Figura 1
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Processos epigenéticos mais comuns. Esquerda: Representação esquemática do DNA e sua embalagem com proteínas histonas nos cromossomos, e de modificações epigenéticas no DNA e histonas. Direita: Esquema representando como microRNAs, uma forma de pequenos RNAs não-codificantes, reconhecem um mRNA cognato pela homologia de sequência, levando à sua clivagem e ao bloqueio de sua tradução em uma proteína.


         Os pesquisadores também descobriram recentemente um processo epigenético adicional envolvendo RNAs não-codificantes, ou ácidos ribonucleicos. Ao contrário da maioria dos RNAs mensageiros (mRNAs) que resultam da transcrição do DNA e são traduzidos em proteínas e enzimas, RNAs não-codificantes não são usados para produzir proteínas. Mas eles desempenham um papel extremamente importante na regulação da atividade do gene, pois eles podem ter os mRNAs como alvo específico (devido ao fato de que eles têm a mesma sequência) e impedir a sua transformação em proteínas. Eles, dessa maneira, oferecem um nível adicional de regulação, não no DNA em si, mas sim na molécula intermediária de RNA resultante da fase inicial da expressão gênica (transcrição do DNA). Os cientistas sugeriram a existência de outros processos epigenéticos, mas são necessárias mais pesquisas para identificá-los e compreendê-los.


Epigenética e Memória

          Trabalhos recentes na área da neurobiologia revelaram que os processos epigenéticos são essenciais para as funções cerebrais complexas. Por exemplo, estudos recentes mostraram que várias enzimas que modificam o DNA ou proteínas histonas são elementos essenciais das vias de comunicação, permitindo sinalização neuronal adequada para a aprendizagem e memória 9. Isto porque a formação da memória de longo prazo requer que os processos epigenéticos induzam mudanças duradouras na expressão dos genes nas células do cérebro. Camundongos com disfunções em qualquer um dos componentes epigenéticos que contribuem para essas mudanças podem ter a memória de longo prazo prejudicada 10,11

         Curiosamente, algumas das deficiências cognitivas podem ser revertidas pela administração de medicamentos que agem sobre os componentes epigenéticos defeituosos. Camundongos com mais componentes favoráveis a algumas marcas epigenéticas melhoraram a memória e o desempenho cognitivo 12-14. Estes achados sugerem que o desempenho da memória pode ser facilmente modulado, tanto prejudicado como melhorado, através de processos epigenéticos.

          Devido a esta modulação, os cientistas estão explorando a possibilidade de usar terapias epigenéticas no tratamento de distúrbios da memória e da função cognitiva 15-18. Por exemplo, drogas que modulam enzimas modificadoras das histonas, tais como os inibidores de histona deacetilase (HDACs) poderiam beneficiar pessoas com perda de memória, declínio cognitivo relacionado à idade, ou mesmo doença de Alzheimer 19. Marcas epigenéticas também podem ser utilizadas para fins de diagnóstico. Isso vai requerer a detecção de marcas sobrepostas no cérebro e no tecido periférico, como sangue ou plasma. Se um exame de sangue conseguir detectar tais marcas, elas podem servir como marcadores biológicos precoces ou biomarcadores, sinalizando um determinado estado biológico que pode ser patológico.



Epigenética e Desenvolvimento

          Processos epigenéticos também são fundamentais para o desenvolvimento celular. Durante as sucessivas fases de desenvolvimento pré-natal e pós-natal, mudanças rápidas ocorrem na organização do sistema nervoso e do corpo. Processos moleculares influenciados pelas condições ambientais influenciam essas mudanças. Assim, nesses processos, tanto programas genéticos inatos como experiências sensoriais regulam o desenvolvimento do cérebro e controlam o estabelecimento de circuitos neuronais funcionais. Os pesquisadores examinaram a influência das condições ambientais, em especial o efeito da interação mãe-bebê, para examinar as consequências duradouras das primeiras experiências da vida. Em modelos de ratos e camundongos, os pesquisadores examinaram como a variabilidade natural na qualidade e quantidade de interações entre mães e seus filhotes impactam o comportamento. Essas interações modulam a resposta dos filhotes às condições de vida posteriormente, e podem alterar sua reação ao estresse e condições aversivas. Uma alteração dessas reações tem sido associada ao desenvolvimento de ansiedade e depressão 20. Além disso, a variabilidade dos cuidados maternos pode se traduzir em modificações epigenéticas estáveis que permanecem além do período de cuidados maternos 21.

          Em experiências com ratos, nosso grupo demonstrou que o estresse crônico severo vivido durante os primeiros anos de vida não apenas altera o comportamento adulto dos animais submetidos ao estresse, mas também impacta o comportamento das crias através de várias gerações. Esse modelo baseia-se na separação materna crônica e imprevisível combinada com o estresse materno. O estudo mostrou que essa separação, vivida diariamente pela maioria deles na vida pós-natal, induz a comportamentos depressivos e impulsivos e altera as habilidades sociais dos filhotes quando se tornam adultos 4,5. Surpreendentemente, a descendência dos animais diretamente submetidos ao estresse manifestou alterações comportamentais semelhantes, apesar do fato de ela ter sido criada sem o mesmo tipo de estresse. Tanto os ratos do sexo feminino como do masculino transmitiram os sintomas comportamentais, independente do cuidado materno que receberam. Os pesquisadores associaram as alterações comportamentais com alterações no processo epigenético - em particular, mudanças na metilação do DNA em vários genes do cérebro dos animais estressados e seus descendentes, bem como na linha germinal (em particular, os espermatozoides). Isto indica que o estresse precoce pode alterar persistentemente o epigenoma em múltiplos tecidos e células, e que as alterações que ocorrem nas células germinativas podem ser mantidas e transmitidas às gerações subsequentes.

          A correlação entre as experiências da primeira infância, os sintomas comportamentais e alterações epigenéticas demonstrada em modelos de roedores também tem sido observada em humanos. Por exemplo, os pesquisadores observaram diferenças marcantes nos perfis epigenéticos ao comparar os cérebros de pessoas que sofreram abuso na infância e cometeram suicídio posteriormente com os cérebros de pessoas que não sofreram traumas de infância e mais tarde cometeram suicídio 22. As pessoas que tinham sido abusadas apresentavam mudanças no perfil de metilação de vários genes relacionados ao estresse. Experiências na primeira infância podem influenciar o cérebro por toda a vida, mas a exposição a estímulos nocivos ainda mais precoces - particularmente no útero e logo após o nascimento - também podem aumentar a susceptibilidade a doenças.


  Vários estudos também mostraram que uma dieta pobre ou rica em gordura é prejudicial à saúde através de várias gerações 23. Fatores epigenéticos também têm sido implicados nos efeitos transgeracionais desta alimentação inadequada. Tais efeitos, que surgem tanto através da transmissão paterna como materna, pode ter consequências negativas para a prole. Em ratos, por exemplo, os machos alimentados com uma dieta rica em gordura geraram descendentes do sexo feminino com uma condição semelhante ao diabetes que se manifesta por intolerância à glicose e secreção alterada de insulina, embora estes descendentes tenham recebido uma dieta normal. Esta condição foi associada com expressão genética anormal nas células pancreáticas da descendência 24.

          Experiências durante a vida adulta também podem, dinâmica e persistentemente, modificar o epigenoma. Um dos exemplos mais marcantes ocorre em gêmeos idênticos (monozigóticos), que têm o mesmo genoma, mas muitas vezes variam muito em sua suscetibilidade às doenças. Manel Esteller do Centro Nacional de Investigaciones Oncológicas e seus colaboradores mostraram que os gêmeos são indistinguíveis em seu perfil de expressão gênica no início da vida. Pares de gêmeos mais velhos, no entanto, têm diferenças significativas em seus perfis epigenéticos 25.

          Embora o estudo de Esteller não seja longitudinal, mostrou que os gêmeos que cresceram em ambientes diferentes tinham mais diferenças epigenéticas e mais históricos médicos divergentes do que os gêmeos que permaneceram em condições semelhantes. Isso destaca a influência do entorno e do ambiente de vida de uma pessoa no epigenoma. Os autores sugeriram que a divergência em históricos médicos estava relacionada apenas à idade, sugerindo uma divergência epigenética aleatória chamada de impulso[5] epigenético. Em outras palavras, a epigenética pode provocar modificações, com ou sem influência ambiental.



As intervenções epigenéticas

          À luz dos efeitos significativos e duradouros de fatores ambientais sobre as funções biológicas, os comportamento e as doenças, agora parece essencial obter uma melhor compreensão dos processos que regulam o epigenoma. É igualmente importante identificar os fatores que conduzem a alterações permanentes desses mecanismos e podem, portanto, proteger ou colocar em perigo a saúde pública. Então, temos de encontrar novas maneiras de prevenir ou tratar tanto consequências positivas como negativas de tais alterações.

          Ao contrário dos genes, que podem ser alterados apenas através de terapias genéticas complexas, as marcas epigenéticas são reversíveis e, portanto, acessíveis através de abordagens de tratamento ambiental ou de drogas. Em primeiro lugar, a evitação de certas substâncias químicas e agentes tóxicos, ou melhores escolhas de estilo de vida e de dieta, pode evitar alterações do epigenoma. Uma vez que os estudos têm mostrado que alguns compostos usados na agricultura têm efeitos fortes e duradouros sobre o epigenoma, evitar a sua utilização seria benéfico. Um melhor conhecimento sobre nutrição nos ajudaria tanto a evitar alterações negativas do epigenoma como a otimizar o potencial de uma dieta para prevenir ou proteger as pessoas contra doenças. Por exemplo, talvez uma simples intervenção na dieta pudesse reduzir o risco de doenças metabólicas através das gerações.

          Por enquanto, as intervenções terapêuticas com base em drogas parecem ser as estratégias de tratamento mais rápidas e diretas. Os médicos já estão usando os inibidores de enzimas que incitam processos epigenéticos, tais como inibidores de DNA metiltransferase ou inibidores de HDACs, no tratamento de cânceres, como leucemia e linfoma 
26. Esses tratamentos podem ser utilizados para outros distúrbios. Motivadas pelo crescente interesse nas doenças do sistema nervoso central, tais como as doenças neurodegenerativas e psiquiátricas, retardo mental, e adição às drogas, mais terapias epigenéticos estão em desenvolvimento 27.

          Outra via relacionada a doenças é o potencial para diagnosticar pessoas de risco, determinando seu perfil epigenético. Alterações epigenéticas anômalas podem fornecer marcadores biológicos singulares para doenças específicas 28. Na pesquisa do câncer, os cientistas estão desenvolvendo técnicas quantitativas para detecção e análise de metilação de DNA para diagnosticar e classificar doenças. Por fim, uma melhor compreensão dos processos epigenéticos seria de grande importância para o campo da tecnologia de reprodução assistida, uma vez que essa tecnologia tem sido associada a um maior risco de defeitos epigenéticos correlacionados a doenças crônicas 29.

          Temos acompanhado uma explosão recente de esforços em pesquisa, discussões e debates sobre epigenética. O entusiasmo nessa área reflete a percepção de que esses processos constituem uma base biológica fundamental para a interação entre os sinais ambientais, o genoma e a hereditariedade. Os pesquisadores começaram a determinar o perfil normal de marcas epigenéticas em vários tecidos e fluidos corporais, e no futuro eles vão analisar sistematicamente as alterações epigenéticas e suas ligações com patologias. Os cientistas terão que resolver muitos problemas adicionais como o que controla a propagação de informações epigenéticas em todos os estágios de desenvolvimento e como as mudanças no epigenoma são herdadas. Esperamos que a pesquisa continuada permita grandes descobertas na próxima década. Revelar como funcionam as marcas epigenéticas e o que elas fazem certamente irá abrir novos capítulos importantes na genética e na saúde humana.



Agradecemos a Caroline Krall e Bechara Saab pelos comentários úteis e construtivos.

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Isabelle M. Mansuy, Ph.D., é professora associada em cognição molecular na Faculdade de Medicina da Universidade de Zurique, e no Departamento de Biologia da Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH) de Zurique. Ela completou seu doutorado em neurobiologia do desenvolvimento no Instituto Friedrich Miescher, em Basiléia, Suíça, e na Université Louis Pasteur, em Estrasburgo, França, e depois fez um pós-doutorado no laboratório de Eric Kandel, no Centro de Aprendizagem e Memória da Universidade de Columbia em Nova York. Ela foi nomeada professora assistente em neurobiologia da ETH Zürich em dezembro de 1998.
A pesquisa da Dra. Mansuy examina os mecanismos moleculares e as bases epigenéticas das funções cerebrais complexas, e se concentra em funções cognitivas e comportamentais dos mamíferos. Sua pesquisa na última década revelou a existência de supressores moleculares da aprendizagem e da memória no cérebro dos mamíferos, e identificou o Ser/Thr fosfatases de proteína calcineurina e PP1, como tais supressores. Ela está atualmente analisando a importância das proteínas fosfatases na remodelação da cromatina no cérebro adulto, e no controle epigenético de formação da memória. Dra. Mansuy também estuda a base epigenética da influência de fatores ambientais prejudiciais sobre o comportamento, e a sua herança através das gerações. Este trabalho demonstrou recentemente que o trauma precoce em ratos induz à depressão, à impulsividade, e prejudicam as habilidades sociais, e que esses sintomas comportamentais são transmitidos através de várias gerações. Sua equipe está atualmente analisando os mecanismos moleculares e celulares potencialmente envolvidos. A pesquisa no laboratório Mansuy combina modelos animais genéticos e ambientais; abordagens epigenética; e técnicas molecular, comportamental, eletrofisiológica, proteômica, e de imagem.

Safa Mohanna
é Ph.D. estudante no laboratório de Isabelle M. Mansuy do Instituto de Pesquisa do Cérebro da Universidade de Zurique (Uzh) e no Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH Zürich). Ele possui mestrado em ciências da vida e tecnologia do Instituto Suíço de Tecnologia, em Lausanne (EPFL). Mr. Mohanna está interessado nos mecanismos moleculares de formação da memória e nas implicações potenciais de uma melhor compreensão desses mecanismos para a prática clínica. Sua pesquisa atual enfoca o papel de uma nova proteína associada à memória na aprendizagem, memória e plasticidade sináptica. Ele investiga a possível interação entre essa nova proteína e mecanismos epigenéticos, e sua implicação nas doenças cerebrais caracterizadas por déficits de memória, tais como a doença de Alzheimer.


Referências

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Fontes de consulta para a tradução e para os termos abaixo listados:

http://decs.bvs.br/
http://encyclopedia2.thefreedictionary.com/
http://www.etymonline.com/
http://houaiss.uol.com.br
http://michaelis.uol.com.br/
http://tradutor.babylon.com/ingles/nurture/
http://translate.google.com.br/
http://www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_aa.php
http://www.medterms.com



[1] Epigenética: epi - depois ou ao lado + genética.
O estudo das mudanças hereditárias na função do gene, que ocorrem sem uma mudança na sequênciado DNA. Por exemplo, processo de metilação do DNA, e processo de remodelação da cromatina.
O estudo de certos processos que ocorrem no desenvolvimento embrionário. Por exemplo, inativação do X(a inativação de um cromossomo X nas fêmeas) e o fenômeno de silenciamento gênico.

Epigenético: Algo que afeta uma célula, órgão ou indivíduo sem afetar diretamente o seu DNA. Uma mudança epigenética pode influenciar indiretamente a expressão do genoma.

[2] Genoma: todo o conteúdo genético contido em um organismo, toda a informação genética, todo o material hereditário possuído por um organismo. Conjunto completo de fatores hereditários, como oscontidos nos cromossomos.

[3] Marcas epigenéticas: "Todas as moléculas que ficam sobrepostas ao DNA, conhecidas de maneira geral como marcas epigenéticas, são essenciais para que células assumam seu formato final. à medida que um embrião amadurece, marcas epigenéticas em células diversas se alteram, e o resultado é visto no desenvolvimento de tecidos diferenciados. Quando células se dividem, seus descendentes carregam as mesmas marcas. "Elas ajudam as células a lembrar quais genes devem ser mantidos ativos, e quais nunca devem ser acionados", disse Bradley Bernstein, da Universidade de Harvard, ao repórter." (Inovação. Unicamp: Giovanny Gerolla. The New York Times, 10 de novembro de 2008.  
http://www.inovacao.unicamp.br )

[4] Criação: foi o termo utilizado para traduzir "nurture", na falta de um termo que se mostrasse mais adequado. O real sentido de "nurture" parece ser bem mais refinado e ao mesmo tempo, mais abrangente. Veja: cuidar do bem estar de, nutrir, alimentar, acariciar, cultivar, encorajar, estimular, ensinar, educar, promover, formar, criar uma atmosfera que conduza ao desenvolvimento,...
Ambiente: foi o termo utilizado para traduzir "environment". O seu sentido é o de "conjunto de condições materiais, culturais, psicológicas e morais que envolve uma ou mais pessoas; atmosfera."

[5] Impulso: termo utilizado para traduzir "drift". O vocábulo também tem o sentido de: tendência, criação, força.






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